domingo, 28 de março de 2010

O começo

Um começo. Começar de novo tem muitas implicações, mas a principal é saber lidar com a mudança. Será que serei capaz de começar de novo? Quem sabe, talvez eu arranje forças novas, faça batota e este começo tenha umas pequenas raízes no passado, que me vão dando água e minerais suficientes para eu não me esquecer. O dilema é grande, mas tenho de colher o que semeei. O meu barco já partiu à tanto tempo, e porque raio é que eu ainda continuo a ver-te quando miro o horizonte, quando olho para alguém, ou quando fecho os olhos e adormeço por alguns instantes. Permanecerei aqui, nesta viagem sem destino. Já não me sinto confortável, perdi o meu porto de abrigo, sinto-me como um jovem marinheiro que vê a mãe chorar porque sabe que nunca mais o vai ver. Mas foi um sacrifício necessário, e agora zarpo a todo o vapor por todo o mundo, até finalmente ver as borboletas do Japão, os leões africanos, os cangurus australianos e os búfalos americanos. Pela primeira vez na vida, isto é algo que posso controlar. O barco só para quando eu quiser, quando o meu coração mandar. Até lá, vou rabiscando este caderno de papel amarelado, escrevendo pequenas letras umas atrás das outras, limpando a minha memória de ti. Foste a droga mais viciante, mas a minha força de vontade é mais forte do que tu, isso te garanto. Mantém-te longe, eu prometo censurar os meus sentidos, e queimar a minha memória quando fizer uma fogueira para me aquecer nas noites mais frias. Assim, a pouco e pouco, vou-me libertando, abrindo e espero acima de tudo que no final desta viagem sem fim eu consiga pensar e dizer que comecei de novo.

Quando começar de novo quero o mundo, quero a Lua, quero o Sol, quero toda a gente e não quero ninguém. Quando começar de novo quero alguém para não puderes voltar. Nem sei bem o que quero, quando começar de novo. Mas tenho a certeza de uma coisa, não te quero a ti.

sexta-feira, 12 de março de 2010

A mudança

Tudo muda, o tempo passa por todos e altera o curso natural das coisas, com o seu manto grisalho. A mudança é evidente e é apenas estúpido negá-lo. Toda a gente muda, é inevitável. Não me venham dizer que ninguém muda, ou que todos ficam na mesma. Bullshit.. Sempre me disseram que as oportunidades somos nós que as criamos, portanto eu quero criar a minha. Estou farto de esperar ao frio, à chuva, ao vento nesta paragem onde passam todos os autocarros menos o da mudança. Tudo permanece igual. É hoje o dia. Será que terei coragem? Sim! Abram alas, não vou esperar por ninguém, vou seguir em frente nesta autoestrada do Destino. Sigo embalado, disposto a mudar por mim mesmo, apesar de não saber exactamente o quê. As minhas asas de papel... corto-as. Assim vou parar de sonhar acordado e as minhas expectativas não serão paradisíacas, serão bem modestas. A minha maldita mania de viver num mundo onde é sempre Outono... rasgo-a, como rasgo estas roupas quentes, o verão está a chegar, e há de ser o fósforo para acender um novo rastilho que me fará explodir de alegria. Será este o dia, o melhor dia. E se de tudo tenho de abdicar em nome da mudança, tu não és excepção.

Nunca signifiquei tanto para ti, como tu para mim, isso sei, ainda que secretamente sempre tenha tentado forçar os acontecimentos para que isso assim fosse. Não tens o direito de me prender ao passado, como uma âncora que não deixa um navio desembarcar do seu cais. És a bagagem que vou ter de deixar para trás, o barco não tem espaço suficiente. Peço desculpas, uma última vez, e reafirmo, esta é a última vez que me atormentas. Está na hora de deixar de pensar em ti, está na hora de fazer a mudança mais importante e difícil de sempre, o barco não tarda em partir, e tu, tu ficas em terra. Esta vai ser a minha aventura, a minha vida, da qual tu não farás parte. Sem ti. Não tenho como, nem quero controlar o futuro, mas o meu instinto diz-me, que este é o dia, o melhor dia que já tive. A saudade é traiçoeira, mas eu sou um mestre manipulador, e não me deixo enganar. Adeus, esta sim é a mudança, a minha mudança, e hei de ser eu mesmo, feliz.

quarta-feira, 10 de março de 2010

A confusão

Que confusão. Porque é que ninguém, repito: ninguém, por muito que tente conseguir abdicar de toda a confusão que assole a sua vida, simplesmente não consegue? Os aviões a esvoaçar, os carros a passar, pessoas aos encontrões, de cabeça baixa, por vezes com um tímido 'bom dia, vizinho' quase que sussurrado e outras vezes apenas um olhar ou o simples sorriso amarelo como se tivéssemos a necessidade de mostrar que conhecemos aquela pessoa ou que não nos esquecemos dela, apesar de nunca termos simpatizado. Já estamos todos habituados, é o hábito que causa o desconforto, a distanciação das relações, uma sociedade semi-adormecida que mais parece um exército zombie de um filme dos anos 80 do que um conjunto de pessoas com vidas próprias. Perdeu-se o calor das relações, 'privatizou-se' e tenho pena que assim seja. Dou comigo a contrariar esta tendência, observo as pessoas no metro, no autocarro, na rua. Por detrás de uma barba com três dias sem ver lâmina, um par de óculos grandes e um emaranhado cabelo castanho está um estudante, revolucionário por natureza, capaz de morrer pelos seus ideais, mas no entanto rendeu-se ao hábito e à falta de relacionamento.

Por detrás de um par de óculos de sol enormes e um cabelo longo liso e elegante esconde-se uma mulher já graúda, com mais experiências de vida do que a maioria dos idosos, já partilhou alegrias e tristezas e nada tem já a perder, mas no entanto resignou-se ao caos e a esta confusão desgraçada que altera até os mais improváveis! Luto para que comigo não seja assim, embora a tarefa se tenha revelado difícil. Tudo em redor é demasiado confuso para alguém tão sozinho como eu. Há momentos em que até um simples batimento cardíaco meu era capaz de enviar uma nave espacial à Lua. O ruído é enorme, mas ainda mais ensurdecedor cá dentro, onde as respostas que procuro estão tudo menos perto. Precisava de uns auscultadores, que me isolassem deste ruído, mas isso seria ceder, desistir, resignar-me, e recuso-me a fazê-lo. Contigo todo o calor volta, um sinal da tua presença faz com que toda a frieza, a confusão se desvaneça, posso agir naturalmente, erguer a cabeça, fazer o que me apetece e cumprimentar quem quero, e não só porque é bonito. Sinto que já não faço parte do exército de zombies, mas de um clube muito exclusivo que só te tem a ti como membro. Todo o calor que uma relação deveria ter volta ao suposto e a confusão faz uma pausa. O tempo suficiente para eu descansar e encontrar o lugar a que verdadeiramente pertenço.

sábado, 6 de março de 2010

A saudade

Sentir a falta de algo chama-se saudade. Pelo menos é o que sempre me ensinaram desde que era um miúdo tímido e curioso. Nessa altura decidi que ia ter saudades dos amigos quando estivesse de férias, e que ia ter saudades de Coruche quando estivesse de férias. Com o tempo amadureci, assim como a minha saudade. É como se uma mão forte e áspera me afagasse o rosto, e deixasse arranhões leves mas suficientemente importantes para não me esquecer. Também sempre me ensinaram que era mau ter saudades, que era sinal de que algo ou alguém de quem gostávamos não estava mais presente. Também essa minha ideia amadureceu. A saudade é sinal de que amamos alguém de verdade e quanto mais o tempo a faz crescer mais faz dela a prova de que o amor é real, e dificilmente desaparecerá.

Há três verões que sinto a tua falta. Parece que é isto aquilo a que chamam saudade. Mas não sou egoísta, tenho perfeita noção de que estás melhor sem mim, quem sabe num sítio melhor. Gostava apenas que soubesses que tenho saudades tuas, e que a minha vida não está de maneira nenhuma melhor sem ti porque és insubstituível. Gostava que soubesses que te devo tanta coisa. Ajudaste-me a crescer, como homem e como pessoa e provavelmente nunca reparaste. A tua capacidade de transmitir confiança é tão grande que só de te observar eu já crescia e no entanto fazia-lo com tanta simplicidade e humildade que me punhas nervoso. Nunca fomos de muitas palavras, mas entre nós o silêncio substituía qualquer conversa, a sério: qualquer conversa. Gostava que soubesses que bem cá no fundo continuo a pensar em ti todos os dias e era capaz de trocar anos de vida só para te poder abraçar por uma última vez que nunca existiu. Não me arrependo de nada do que fiz, ou que tenhamos feito, mas gostava que soubesses que desde há três verões que não me sinto como me sentia contigo, porque me fazes falta, porque sinto saudade.

quinta-feira, 4 de março de 2010

A música

Não, não me dês música agora, é cedo e não me apetece. Está frio, vamo-nos antes aquecer nas mantas do amor rasgadas da nossa música que toca sem parar. Toca, toca! Toca como um pássaro canta de felicidade, toca como o mar ruge quando encontra uma rocha, toca como um carro anda, rasgando o asfalto deixando um pequeno rasto. Quando encostas a tua cabeça ao meu peito, é como se fosses uma encantadora de serpentes e eu não tivesse mais nada senão a ti. Tresandas a música. Todos os sons que emites, mesmo inconscientemente parecem-me a mim grandes composições de música clássica. Quando encostas a cabeça no meu peito, é como se dentro de ti tivesses uma orquestra talentosa capaz de tocar todas as peças imagináveis. As baladas do amor, da guerra, da raiva, da paixão, da aventura. Derretes-me quando me cantas baixinho ao ouvido, até a tua voz é sinónimo de música.

Quando estás zangada e gesticulas desalmadamente eu só te consigo observar a ti e aos teus gestos. É como se fosses um maestro a coordenar na mais perfeita das harmonias uma sinfonia no tom mais agudo e grave ao mesmo tempo, numa escala por ti inventada cuja chave apenas tu sabes. Todos esses pequenos músicos te são fiéis e eram capazes de te confiar a sua vida, afinal de contas vivem dentro de ti. Digo outra vez: tresandas a música. Nas ocasiões mais especiais, tocas jazz como se um saxofone romântico tocasse sozinho enquanto os meus lábios tocam os teus. O piano acompanha suavemente a balada sensual e dá-lhe um sabor diferente. Mas não, hoje não, hoje não me dês música, quero por uma vez não ficar atordoado por todo esse teu feeling carregado de força e rock N' roll. Hoje quero apenas que sejas minha, sem música a acompanhar, num ritmo slow. Prometo que depois tocas para mim a tua música, até porque é a única que realmente gosto de ouvir.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Society

It's a mystery to me(...)
You think you have to want more than you need
Until you have it all, you won't be free

Society, you're a crazy breed
I hope you're not lonely without me
Society, crazy and deep
I hope you're not lonely without me

When you want more than you have
You think you need
And when you think more than you want
Your thoughts begin to bleed

Society, have mercy on me
I hope you're not angry if I disagree
Society, crazy and deep
I hope you're not lonely without me



(Eddie Vedder - Society)

segunda-feira, 1 de março de 2010

A viagem

Sempre quis saber como seria viajar. Não viajar de carro, ou de autocarro, ou de comboio, ou de moto, ou de avião, mas simplesmente viajarmos. A viagem é muito mais do que a mudança de um sítio para o outro, é muito mais bela se demorar o seu tempo e não tivermos pressa. Uma verdadeira viagem não tem uma mala gigante cheia de coisas que sabe-se lá se vamos precisar nem tem uma carteira recheada para qualquer eventualidade. Uma viagem significa aventura e pressupõe um espírito peregrino dentro de nós, em que a sede da fuga ultrapassa qualquer sensação de conforto que possamos ter. Sempre quis saber como seria viajar, livre de preocupações, pressupostos ou qualquer coisa mundana, apenas eu e o mundo. Deambular sem destino por aqui e por ali, seria certamente uma viagem, uma verdadeira viagem. O vento era quem me levava aos meus destinos e me guiava na falta deles. Sempre quis saber como seria se eu pussesse a mochila às costas e largasse tudo.

Tenho consciência das consequências que isso podia trazer. Talvez assim me entendessem melhor, o meu espírito livre e a minha vontade de simplesmente partir. Mas não, a minha vontade, por muito grande que seja, não é suficiente para acabar com esta cobardia que teima em não desaparecer, raios. Nem quando a felicidade está em jogo eu consigo livrar-me da cobardia e lutar por mim mesmo, é uma felicidade platónica. Não me falta nada, mas falta-me tudo. Tenho o que preciso mas não o que quero. Parece que a minha veia sonhadora se está a tornar gananciosa também, mas não quero saber. Também tenho noção de que a felicidade só é real quando partilhada com alguém e mesmo que eu a tivesse, não tinha com quem a partilhar, não te tinha a ti. Eras a peça-chave da derradeira viagem, a paisagem, os mantimentos, as botas, o chão, o mar, as nuvens, e por fim: tu. Tenho de admitir, era e é um sonho, e sempre será. Sei perfeitamente que não é possível, mas talvez sejas tu a chave para eu perder a cobardia que me impede de calçar as botas, que me impede de arrumar a mochila, talvez sejas tu aquilo que faz distinguir uma viagem d'A Viagem'