terça-feira, 26 de outubro de 2010

Cinza

Não tires uma foto, tem sido um mau dia. Uma péssima semana, um mês terrível e um ano desastroso. Afasta a tua objectiva, está demasiado perto. O que é que queres de mim se não levaste já tudo? Afastaste-te, construíste-te de novo sozinha, fizeste-me a vontade. Agora que tudo devia estar bem, piorou. Preciso de silêncio, de um dia livre de multidões e caos, de um dia cinzento e sem alegrias que o corrompam. De um dia em que o fumo se confunda com as nuvens e que o nevoeiro esteja tão baixo que me sirva de camuflagem, para eu poder acabar o jogo. Só peço um dia de cinza, para esta nuvem que está dentro da minha cabeça começe a pedir boleias para fora e eu finalmente consiga pensar direito. A puta da nuvem já inchou, já está negra, já trovejou e já inundou literalmente qualquer tipo de jogo que eu tivesse para encartar.

Agora jogas o Ás de Espadas, mas eu continuo o Rei de Copas, e já não tenho trunfos.

É injusto quanto tens os quarto ases na mão e já me destrunfaste desde o início. Não vou desistir, porque isto para mim já não se trata apenas de um jogo entre dois lunáticos. É agora a minha realidade distorcida que me faz arder os olhos cada vez que os abro para te espreitar, porque a tua cara de poker me assusta, que me faz tremer os lábios porque isto é um 'jogo' de silêncio, que me faz ouvir tudo. Por isso te peço: acaba de me destrunfar e leva o Rei de Copas para junto da sua Dama, ganhaste a batalha, quiçá a guerra, mas peço-te novamente para não te esqueceres: É à melhor de três e eu não assinei nenhuma rendição.

sábado, 2 de outubro de 2010

A necessidade

Provém do hábito, da habituação, da monotonia e da melancolia, é quase um vício, uma dependência. Necessidade de falar, raramente a tenho, necessidade de ouvir, ainda menos. Existem tantas coisas para 'necessitar', coisas que já fazem parte da vida em si, e cuja mesma não existiria sem elas. Sem sofrer grandes alterações, são as necessidades que marcam a diferença, boas ou más. Maioritariamente más, porque é que precisamos de comer, porque é que sentimos a necessidade de falar, ou de fumar, ou de ser reconhecidos, ou de sorrir. É uma dependência, cada um tem a sua, ou suas, pois uma nunca vem só. Evito ao máximo tudo aquilo que me cause uma necessidade posterior, por isso encho bem o estômago, para não ter fome, falo comigo na minha cabeça, horas a fio, para não ser um fala-barato, mas tenho uma necessidade para a qual não consigo arranjar solução, pôr paninhos quentes ou remendar com uma agulha. Podia tentar tapar os olhos sempre que me apareces, mas depois perder-te-ia para a escuridão. Podia tentar tapar os ouvidos cada vez que abres a boca para falar, mas estaria cada vez mais longe do mar. Podia tentar tapar o nariz sempre que estou ao teu lado, mas nem assim o cheiro desapareceria das minhas roupas. Podia tentar não te tocar, podia tentar que não fosses minha amiga, e desaparecesses, mas és o pólo positivo do íman que puxa os negativos como eu.

É estranho, tudo isto é simplesmente estranho, seres a única coisa à qual o meu disfarce parece não ser suficiente, seres a única pessoa capaz de quebrar as minhas defesas sem ter de se esforçar. Desesperadamente procuro auxílio em tudo o que posso encontrar. Pontes ou estradas, ventos ou mares, guerras ou escaramuças. Qualquer coisa serve para me entreter e me impedir de pensar em ti, para não ter a necessidade de te ver, de te ouvir, de te tocar, de te cheirar, de te ter. Tenho a certeza que fizeste um pacto com os cinco sentidos, sua cabra.