segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Noite e Dia

Farto de um sítio como este, onde os mosquitos nos sugam o sangue e vão lampeiros reluzir-se nos holofotes da ribalta, esvoaçando em trajectórias impossíveis de prever, como que competir pelo lugar mais perto da luz, quando o céu está escuro. Onde nem de noite os predadores diurnos descansam e me dão tréguas. Sempre preferi a noite pelo silêncio, pelo luar, pelo mistério. Mas a noite é traiçoeira e perigosa. Facilmente nos embebedam com conversas ultrapassadas e nos põem a vomitar de tanto lixo que engolimos. Ainda assim, a perigosa noite continua a ser a melhor e única alternativa ao dia que tem doze horas de luz. Aqui dentro, as doze horas são doze anos e continuam a não ser suficientes para resolver todos os problemas que existem aqui. À noite, os problemas descansam, refugiam-se e escondem-se e eu finalmente suspiro de alívio, até cair.

Agora diz-me quem és tu, que estás agora de pé, à minha frente. Olho-te fixamente e só de o fazer, sinto que não me és estranha. Fazes a transição entre a noite e o dia, entre o bem e o mal, e tens a chave do cadeado que prende os meus problemas. Levantas o braço graciosamente, e estende-lo na minha direcção. Eu impulsivamente recuo mas algo me fez parar. Abriste-a e os problemas começam a fugir. Surpreso eu começo a sorrir, afago-te o cabelo e a noite torna-se dia. Foste tu, sacana. Não sei como foste capaz de chegar, acontecer, fazer com que tudo desapareça e te tornares a resposta para tudo. Foda-se, absolutamente tudo! Dou um passo em frente e abraço-te desprovido de tudo aquilo que me prendia dantes. Tu fizeste o mesmo. Agora, que estou contigo as doze horas são doze minutos e o tempo não chega. Agora odeio a noite porque me priva de pensar em ti. Agora já não odeio mais nada, tenho as minhas explicações. O teu sorriso inocente deixa-me na dúvida se és realmente tão experiente como eu penso. A guerra com os sentidos acabou, eu ganhei, mas eles também. As minhas mãos preenchem as tuas, os meus sonhos voam tão alto que já nem os encontro. A minha boca passeia por ti e os meus ouvidos sentem uma voz apaixonante.

Então continuo farto deste sítio, dos mosquitos lampeiros, da luminosidade e do barulho, mas agora tenho-te a preencher o vazio da minha mente. O buraco que outrora sangrava está cozido e nunca estive tão lúcido. Ainda agora começaste a batalha e já ganhaste a guerra. Agradeço-te por isso, por não me matares com o teu olhar, por me deixares observá-lo com atenção enquanto puder, porque estou apaixonado.